A VERDADEIRA CAUSA DO MENSALÃO
Jânio
Quadros renunciou, porque não teve a maioria no Congresso. Teimoso que só ele,
não quis se sujeitar às condições dos oposicionistas, donos do pedaço, nem
ceder às suas imposições. Não quis agir como todos agem em tais ocasiões: em troca de apoio para
poder governar, dão-se cargos,
vantagens, ministérios bem recheados para posterior desvios de verbas, e muitas
outras picaretagens que já se tornaram banais. Jânio, porém, recusou entrar
nesse jogo, e preferiu renunciar a ter de governar segundo critério alheio. E o
Brasil pagou muito caro por isolar por meio do voto o presidente que elegeu.
Teve, como castigo, o advento de uma cruel ditadura militar.
Fernando
Henrique Cardoso não teve esses escrúpulos. Embora em minoria, não foi difícil
governar com um congresso que sempre preferiu entrar em acordos tortuosos com os
presidentes, a impor o programa de
governo (???) dos seus respectivos
partidos. De qualquer forma, embora em minoria, não haveria
mesmo muitos transtornos, uma vez que a maioria possui tradicionalmente um viés
conservador, embora tope qualquer coisa, se algo relevante lhe for dado em
troca, bastando, para isso, criar dificuldades para receber facilidades. É bem
verdade que, para FHC, não foi de início fácil impor a prorrogação de seu
mandato; dificuldade, porém, logo superada só Deus e o mundo sabem como.
Entretanto,
façanha notável mesmo, verdadeiro milagre, algo excepcionalíssimo, foi quando
FHC conseguiu convencer o Congresso inteiro a deformar a constituição
brasileira, de modo a transformá-la de Constituição Cidadã a constituição
neoliberal. Argumentos fortíssimos foram apresentados aos nossos congressistas,
de modo a entusiasmá-los, e enchê-los de amor pelo povão brasileiro. Coisa
espetacular, de ficar pra História! O poder financeiro do mundo inteiro, o
mercado global, as grandes empresas multinacionais, a revista Veja, a rede
Globo (que afirmava, pela voz resoluta e convincente da Fátima Bernardes, que
as reformas eram necessárias - só não dizia para quem, talvez por
esquecimento), ficaram todos na maior alegria com tanta generosidade,
absolutamente inesperada, dos nossos deputados e senadores. E a prova de que a
coisa saiu limpa, foi que nem a revista Veja, nem a rede Globo nunca
denunciaram qualquer desvio de conduta de nenhum parlamentar durante a fase da
transformação constitucional. Nem mesmo o Engavetador, digo, Procurador Geral
da República da época, que não encontrou motivo algum para dar andamento a
processos decorrentes de atitudes menos éticas que alguns dos membros do
congresso insistiam em constatar. Afinal, que sucesso poderiam ter se não
podiam contar com a revista Veja nem a rede Globo para sustentá-los nessa
incômoda tarefa?
Infelizmente,
não se pode dizer o mesmo do governo Lula. De maneira nunca dantes ocorrida na
história deste país, não é que o Congresso, inovando surpreendentemente, se rendeu a certos "argumentos" da
turma do PT, para aprovar os projetos do governo? "Argumentos" que,
pela primeira vez na história deste país, custaram aos cofres públicos milhões
de reais, e que acabaram por dar cabo da espinha do pobre Ministro Joaquim
Barbosa. E não nos esqueçamos de agradecer ao valoroso Roberto Jefferson que, num grande gesto de patriotismo, revelou
toda tramoia, dando até a alcunha de
"Mensalão" aos "argumentos" muito convincentes que
recebeu (exagero, porque os "argumentos" não eram fornecidos
mensalmente, a não ser que a alcunha correspondesse a exceções ocorridas com o
próprio valoroso Jefferson). Não excluamos, pelamordedeus, a grande
contribuição da revista Veja, que num furor ético, colaborou decididamente na
denúncia de toda tramoia. E agradeçamos à rede Globo que serviu de caixa de
ressonância a essas graves denúncias.
E tudo
isso, para que o Presidente da República, escolhido pelo povo, pudesse governar
segundo sua visão de governo.
Não
estamos num país de regime parlamentarista, onde o eleitor escolhe um programa
de governo, votando no respectivo partido, cujo líder vai ser o chefe de
estado. A separação dos poderes existente no Brasil obriga o eleitor a escolher
distintamente os membros do congresso e o presidente da república (que acumula
a função de Chefe de Estado). E, então, eu me pergunto: o que faz o eleitor
votar num candidato a presidente da república, em quem colocou sua confiança e,
logo após, escolher um deputado federal e/ou um senador que vai ser contra ele
no congresso nacional? Muita sacanagem para com o presidente. Melhor seria que
não o tivessem escolhido. Ou será que o brasileiro ainda não compreendeu que o
maior poder da República é justamente o congresso, cuja força lhe permite até
derrubar os vetos presidenciais?
A figura
do presidente da república evoca ainda o poder majestático do Imperador, esse
sim, apesar de haver um poder legislativo, é quem dava a última palavra nos
assuntos políticos. Isso deve ter ficado no nosso inconsciente coletivo. Como
convencer agora os brasileiros de que o presidente tem poder limitado pelo
Congresso, que ele não pode inovar sem a aquiescência dos deputados e senadores
da república? Como convencer o povão de que o Congresso é quem dita de fato o
rumo político do Brasil, aprovando ou não todas as propostas que vêm do Executivo? Essa história de eleger qualquer de seus membros de
maneira aleatória, com critérios primitivos, acaba desfazendo com uma mão o que
a outra construiu.
Isso sem
falar nas nojentas coligações, sempre não confiáveis, uma vez que o interesse
dos partidos coligados não é o de satisfazer as enormes necessidade do país, do
nosso povo, mas receber as benesses (cargo$, mini$tério$, vantagen$ pela defesa
de interesses econômicos de empresas nacionais e multinacionais, dos lobbies,
etc., etc.) em troca do apoio às iniciativas presidenciais. Prescindir dessas
coligações espúrias evitaria a barganha, as concessões escusas, considerando o
quadro atávico de corrupções entranhadas na cultura política de nosso país.
Vejam o que aconteceu com a presidenta Dilma, que foi obrigada a demitir
ministros gananciosos, escolhidos por ela só para cumprir acordos com partidos
coligados que permitiram a sua eleição, e a engolir uma reforma de lei
ambiental indesejada, aprovada por partidos coligados que simplesmente botaram
no lixo o sentido da coligação, para beneficiar, não o povo, mas a bancada
ruralista.
Tudo isso
poderia ter sido evitado se o partido da presidenta tivesse tido a maioria no
congresso. Votar em parlamentar coligado só se o presidente escolhido não for
confiável, por falta de outra opção. Mesmo assim, para essas circunstâncias,
existe a tecla BRANCO na urna eletrônica. Concordo que nem sempre o cardápio
eleitoral entusiasma os eleitores. Mas enquanto o voto for obrigatório, enquanto
não for instaurada uma lista única de candidatos ao congresso para ser votada,
corremos sempre o risco de os formadores desse cardápio não se preocuparem com
a qualidade dos pratos.
Um
presidente sem oposição forte é um risco que o povo deve correr. O governo que
viesse iria espelhar a configuração da maioria dos eleitores. Para o bem ou
para o mal, segundo a concepção de cada cidadão. Esse é o custo da democracia. Com a oposição em maioria, ou o poder
limitado pelas coligações com outros partidos, sob condições que fariam qualquer
presidente com vergonha na cara desistir do cargo, o eleitor consciente se
frustra por ver seu governante tomar caminhos não previstos, tanto pelo próprio
eleitor como pelo presidente eleito. Seria preferível até que o brasileiro
pudesse votar só em partido (de acordo com o seu programa de governo), com a
respectiva lista de candidatos pré-formada, a tal lista única, a ser
apresentada aos eleitores, ao invés de impor a eles parlamentares isolados,
favorecendo a corrupção e encarecendo demais o processo eleitoral. Assim, se o
partido não correspondesse às expectativas, todos os seus membros, de uma
tacada só, seriam rejeitados na eleição seguinte. Infelizmente, esse pensamento
faz tremer os nossos bem intencionados parlamentares; por isso não creio que estejam
dispostos a concretizá-lo.
Um
presidente sem apoio, porém, é o pior dos mundos para o país. Abre
oportunidades para que ocorram "mensalões". E um presidente eleito
pelo povo sem apoio parlamentar é uma das perversões que o eleitor deve evitar.
Do contrário, será o maior responsável pelos "mensalões" da vida.